segunda-feira, 31 de março de 2008

Meu canto imita a pronúncia do meu nome.

Do contrário do que falam e pensam, sou uma moça bem comportada. Com defeitos de pouco efeito.
Nunca guardei muita coisa, tenho uma tagarela por dentro, vez ou outra sou quatro.
Não consigo falar em uma, tenho que falar em todas. E não guardo os soluços comigo, todos os desamores são bem sofridos.
Sou de épocas, estações. Dia floresço, dia morro, dia queimo de calor e outros de frio.
Tenho as mãos geladas, os pés que demoram a esquentar, mas por dentro sou lareira.
Não estou para os que lêem e decifram. Não estou nem para o telefone, nem para quem adivinha finais de livros. Gosto de descobrir, raras as vezes tenho até paciência.
Meu sorriso é safado, mas não promíscuo. E quando eu gesticulo com a mão é pra desviar a atenção dos meus olhos.
Quando falo alto, falo rápido. Prefiro as falas quietas, pausadas, firmes e até doces.
As palavras são extremos, ou vivem o meu inverno, ou meu verão. Quase tudo é oito ou oitenta, e quando eu digo quase, tem que prestar atenção.
Não gosto de metades, só quando eu as completo. Quero inteiro, o inteiro de tudo. Desde a dor, até o amor. Quero poder usufruir com gosto de cada parte, como se fosse minha.
Não sou nojenta. Adoro corações com bolor, alguns trago para casa e cuido até que sarem.
Eu sinto saudades antes de partir, acredito em suspiros eternos com ênfase maior que qualquer frase, tenho soluços altos e costumo gargalhar enquanto acontecem, e prefiro pessoas doídas às vazias.
Minha mãe poderia ter me dado vinte nomes que eu os aproveitaria igual. A cada pessoa que conhecesse, me faria um nome diferente. E mesmo com toda a confusão, não perderia o foco. Saberia quando estivessem chamando.
Costumo fazer meu riso mais marcante que meu choro. Quando sorrio, o faço alto. Quando choro, escondo-me.
Sou mais branca que uma vela e, vez ou outra fecho os olhos e camuflo-me entre as paredes, para que ninguém me encontre.
Tenho uma preguiça que me finda, mas quero viver, e não ver a vida passar na janela.



Sofrer:

s. m., Ornit., Brasil,
Pássaro amarelo de cabeça, cauda e asas pretas e cujo canto imita a pronúncia do seu nome.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Carmin nos pés, framboesas nas mãos.

Quando chegou da aula, Adélia, que não é acostumada com certas coisas, encontrou na caixa de correio uma carta. Não havia remetente ou coisa qualquer nela, apenas o nome do destinatário.

28/03/08

Querida Adélia,
a vida tem sido justa demais comigo. Tudo tem um ar melancólico, de nostalgia. Ao mesmo tempo tudo é amargo.
Não só isso, Adélia. Ela tem sido injusta contigo. Não só por teres me perdido, por me deixares assim, solta. Mas também por pensares que o mundo vai sempre te pegar com as duas mãos sem nunca te deixar cair. Isso é ilusão.

Embora sofrendo e sem chão, eu cheguei ao meu limite para que notasses tamanha perda. Esforço em vão, pequena, tu me jogaste fora. Talvez não lembres com o passar do tempo de tão eterno que foi. Sabe-se lá se sentes saudades, ou se virás a senti-las. O fato é que isso não é contemporâneo, Adélia... estavamos já em outras vidas.

Se soubesses antes que eu contava teus dias pelos meus, te assustarias? Eu sabia exatamente quando as tuas cólicas acabavam, porque as minhas começavam. Hoje não sei porque isso entre duas é sinal de convivência. Vês? Que louca faria isso? Que louca te aguentaria até nos dias chatos? Sabes que sou rara. Sabes que sou aquela bela, a alegria para qualquer época de Oscar Wilde.

Cada acontecimento parece um sinal. As filhas das minhas amigas, todas têm o teu nome. Atendentes, colegas, desconhecidas ao se apresentarem, falam teu nome, Adélia. Qualquer corte no dedo basta pra que eu lembre da tua manha interminável que durou um só dia. Eu adorei te mimar. Qualquer briguinha me faz ter saudades dos sermões "montanhas" e cheios de razão. Eu sinto falta dos teus fios brancos e precoces jogados em meus seios.
Poderiamos estar aqui em casa, dormindo juntas. As coisas mudaram nos últimos meses. Faz dois, mais ou menos. Hoje seriam quatro se não fosse tão superficial.

Quero teu cheiro de volta. Eu não sei de onde vinha, não era marcante, mas era teu. Não deves mais ter o mesmo. Aquele era de menina, quase mulher, um moleque, doce, séria, minha eterna. Agora que estragas corações, que não te importas deves ter o corpo quente, um gosto amargo e um cheiro de lugar barato.

Beijos,

Isolda.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Para o amor que não veio.

Ela chegou em casa após horas e horas de trabalho. Havia guardado tudo em si, sem demonstrar. Dalila era tão intensa que não demonstrava nada. Talvez por isso, por guardar tão bem, ela era por inteira afável, era amor.

Chegando, tirou a roupa, tomou banho e, ainda nua, com todas as gotas mal secas, atirou-se na cama de lençóis branquinhos que a camuflavam e chorou até não ter o que molhar. A casa estava alagada daquela água que era dela.

Durante três dias e três noites ela pensou que iria morrer. Durante três longas semanas, Dalila foi zumbi. O que não era tão mal, pois zumbis não amam.

Fevereiro mais uma vez era o mês dos desamores, era costume, acontecia todo ano. Dalila, com 26 anos, ainda não havia aprendido isso. A cada desilusão ela precisava mudar de casa. A cada uma desilusão ela mudava a cor dos cabelos, mas não adiantava, tudo continuava igual.

Sabendo que vive em um mundo de efêmeros, que já diria alguém, "onde eles andam?", ela ainda buscava o eterno. Mas o eterno era ela.

Mesmo que o romantismo tenha sido deixado de lado, mesmo que as cartas de amor tenham passado a ser bregas, mesmo que se declarar tenha vindo a ser motivo de risos, mesmo que se gabem em cima dos sentimentos alheios, todas as manhãs Dalila acordava e, arrumando-se, pensava vestir vermelho para encontrar o amor. Na esquina, no café, na livraria. Esperava flores secretas, cantos e qualquer coisa que não viesse assinado, para depois ser descoberto.

Dalila havia sido partita. E de que adiantava eu dizer para ela que a paixão dura de dois meses a dois anos? E de que adianta colocar prazo de validade em sentimentos? Ela, melhor que eu, melhor que ninguém, sabia que não é verdade. A ilusão!

Ela pensou que passaria o dia dos namorados com alguém. Mas o dia dos namorados não é pra isso. Não para ela que passa todos os anos lendo livros e decorando frases, como se fosse um dia qualquer, um primeiro de abril dos que gostam, dia da mentira para os que amam um dia. Dia em que todos os casais, que daqui a um ano estarão se odiando, saem para comemorar juntos um amor que não existe.

Desde que foi banalizado, que os que pegam e não se apegam nasceram, Dalila viu o mundo com olhos de ódio, olhos tristes de desesperança. As pessoas reclamam das pessoas. Dizem que não há ninguém, mas não existe um esforço para melhorar. Elas cometem os mesmo erros que julgam. Ela só queria alguém que pudesse entender isso, que gostasse de astrologia e que, mesmo assim, não acreditasse que fogo e água sejam opostos.

Descobrir a traição, relevar a traição e mesmo assim a indiferença aparece. - Ninguém é capaz de me amar, não tanto quanto eu. Não tanto quanto eu me amo. - Desde criança, quando ainda haviam fios claros nos cabelos, Dalila buscava o amor nas brincadeiras. Tudo tinha final feliz. Ela cresceu sendo a mulher mais linda do mundo aos seus olhos. Mas em fevereiro sempre a pisam, sempre derrubam seu ego.

Os relacionamentos para ela têm prazo também. Dois meses, assinando o contrato, e não se fala mais nisso. E não adianta tentar.