quarta-feira, 26 de março de 2008

Carmin nos pés, framboesas nas mãos.

Quando chegou da aula, Adélia, que não é acostumada com certas coisas, encontrou na caixa de correio uma carta. Não havia remetente ou coisa qualquer nela, apenas o nome do destinatário.

28/03/08

Querida Adélia,
a vida tem sido justa demais comigo. Tudo tem um ar melancólico, de nostalgia. Ao mesmo tempo tudo é amargo.
Não só isso, Adélia. Ela tem sido injusta contigo. Não só por teres me perdido, por me deixares assim, solta. Mas também por pensares que o mundo vai sempre te pegar com as duas mãos sem nunca te deixar cair. Isso é ilusão.

Embora sofrendo e sem chão, eu cheguei ao meu limite para que notasses tamanha perda. Esforço em vão, pequena, tu me jogaste fora. Talvez não lembres com o passar do tempo de tão eterno que foi. Sabe-se lá se sentes saudades, ou se virás a senti-las. O fato é que isso não é contemporâneo, Adélia... estavamos já em outras vidas.

Se soubesses antes que eu contava teus dias pelos meus, te assustarias? Eu sabia exatamente quando as tuas cólicas acabavam, porque as minhas começavam. Hoje não sei porque isso entre duas é sinal de convivência. Vês? Que louca faria isso? Que louca te aguentaria até nos dias chatos? Sabes que sou rara. Sabes que sou aquela bela, a alegria para qualquer época de Oscar Wilde.

Cada acontecimento parece um sinal. As filhas das minhas amigas, todas têm o teu nome. Atendentes, colegas, desconhecidas ao se apresentarem, falam teu nome, Adélia. Qualquer corte no dedo basta pra que eu lembre da tua manha interminável que durou um só dia. Eu adorei te mimar. Qualquer briguinha me faz ter saudades dos sermões "montanhas" e cheios de razão. Eu sinto falta dos teus fios brancos e precoces jogados em meus seios.
Poderiamos estar aqui em casa, dormindo juntas. As coisas mudaram nos últimos meses. Faz dois, mais ou menos. Hoje seriam quatro se não fosse tão superficial.

Quero teu cheiro de volta. Eu não sei de onde vinha, não era marcante, mas era teu. Não deves mais ter o mesmo. Aquele era de menina, quase mulher, um moleque, doce, séria, minha eterna. Agora que estragas corações, que não te importas deves ter o corpo quente, um gosto amargo e um cheiro de lugar barato.

Beijos,

Isolda.

Nenhum comentário: